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E levo um povo inteiro no coração!

Escrevo este post no comboio, enquanto olho pela janela e deixo que este maravilhoso país me entre pelos olhos e vá directo à alma e ao coração. Paro a cada minuto para apreciar as praias, o mar sem fim. Sinto os cheiros tão diferentes dos nossos. A mar, a fumo do lixo queimado nas ruas. Já não sinto o cheiro das pessoas como quando cheguei, habituei-me a ele. Talvez já seja o meu cheiro também. Por vezes cheira a fritos, quando passam os vendedores de comida, que embrulham o que pedimos em folhas de cadernos da escola usados.

Esta é a nossa última viagem e quero absorver tudo o que está à minha volta. Quero levar as imagens na cabeça, combater o vício de tirar logo fotografias. Quero levar todos os sorrisos deste povo, aparentemente sério mas que se desfaz num sorriso com um simples olhar.

Nesta viagem não consigo deixar de pensar no tsunami e na quantidade de vidas que se perderam. A linha é toda junto à costa e foi precisamente num destes comboios que se perderam milhares de vidas de pessoas que, após a primeira onda, se tentaram refugiar num comboio, posteriormente atingido pela segunda onda. Mas admiro-os muito, há ainda a tristeza das recordações, mas não se vêm quase marcas de destruição. Vêem-se muitas campas, uns junto às casas, outros em terrenos vazios junto às praias. Calculo que muitos serão desta altura. Mas não vejo um povo ressentido. Vejo um povo solidário e sempre pronto a ajudar. Sempre que alguém entrava num autocarro a pedir dinheiro para causas que nós não percebíamos, toda a gente ajudava.

Mesmo connosco, quase sempre que dizíamos não a um condutor de tuk-tuk e dizíamos que íamos de autocarro eles ajudavam-nos a encontrar a paragem [muitas vezes não perceptível]. Várias vezes, enquanto esperávamos por um autocarro, um local aproximava-se de nós e perguntava para onde íamos. Depois ficava a conversar até aparecer o autocarro certo, que mandava parar e avisava logo o cobrador para onde íamos. Simplesmente por simpatia e curiosidade.

Descobrimos, em conversa com um local no primeiro comboio em que andámos, que há muitas palavras cingalesas com origem portuguesa: janela, armário, camisa, sapato. São também muito comuns apelidos como Silva, Perera e nomes próprios como Fernando e Rodrigo. E era sempre tão bom ver a reacção das pessoas quando falávamos disto. De repente parecíamos todos crianças felizes, com risos genuínos.

Um dos momentos que mais guardo na memória [do coração] aconteceu no Forte de Galle. Fomos lá jantar e no final demos uma voltinha na muralha, onde estavam grupos sentados na relva a jogar às cartas e famílias com crianças a brincar. Quando passámos por elas, olharam muito para nós e soltaram risos nervosos. Sentámo-nos no muro e, menos de um minuto depois, elas sentaram-se também, mas a uns metros de nós. Tinham tanta curiosidade no olhar como timidez. Via pelo canto do olho que olhavam para nós, mas sempre que olhava para elas viravam-se, tapavam a cara e riam muito. Ficámos neste jogo do esconde e olha algum tempo até que decidimos ir embora e, ao passarmos por eles, a mais velha teve coragem de me acenar e dizer um tímido bye.

Mas esta curiosidade não é característica só das crianças. Desde que saímos do primeiro hotel que nos habituámos a ser alvo de olhares bem indiscretos por parte de pessoas do sexo oposto [em especial eu]. Mas, na verdade, nunca senti incómodo nestes olhares. São olhares sobretudo de curiosidade, feitos com grandes sorrisos na cara. São olhares de tal forma naturais que praticamente já não os sinto, mesmo sabendo que continuam a existir.

E é isto que levo na memória: gente curiosa, de sorriso fácil, sempre pronta a ajudar e que diz sim com um ligeiro tombar de cabeça ao lado [que ao início nos parecia um não esquisito]! Saio deste país com o coração cheio e com um povo inteiro dentro dele!



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