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Lombok das paisagens

Nas minhas pesquisas sobre como ir das Gili para Lombok tinha lido que o porto de Bangsal era um pouco, como dizer, complicado! Quando comprei o bilhete da viagem o senhor também me disse qualquer coisa como: não deixem que vos agarrem as malas e sigam sempre em frente na rua principal até encontrarem o café. Se vos agarrarem nas coisas vão fazer-vos pagar um dinheirão pelo transporte e são só 500 metros.


Na manhã da viagem estavam umas ondas enormes, tão grandes que o barco não se conseguiu aproximar da zona do porto onde uma multidão de homens já nos esperava. Tivemos de sair na praia entre cada onda que nos elevava uns bons metros acima do nível da areia para logo depois descer rapidamente e nos dava uns segundos de possibilidade de saltar sem levar com o barco em cima. Ao mesmo tempo já estavam vários homens a pedir para lhe passarmos as malas (benditas mochilas de campismo coladas às costas). No meio deles estava o que nos tinha enganado na viagem de snorkeling. Assim que pisei a areia começaram logo a pedir-me o bilhete que eu me recusei a dar, mas os espanhóis que estavam connosco entregaram-lhes. Os tipos começaram a correr com os bilhetes e eu a dizer aos espanhóis que aquilo era um esquema, para o irem buscar. Já o estavam a entregar a uma carroça quando os espanhóis o recuperaram. Depois seguimos juntos até ao local que nos tinham indicado e, além das buzinadelas dos táxis, não houve mais incidentes.


Esperámos pela carrinha que nos levaria para o sul da ilha num café e entretanto chega um tipo que nos pede os bilhetes e diz que é da companhia que nos vai levar, mas olhamos lá para fora e só está a mota onde ele veio. Ele dirigiu-se para lá com os nossos bilhetes na mão e o P. foi imediatamente atrás dele antes que nos levasse os bilhetes. Ainda esteve uns bons 20 minutos a fazer tempo até que apareceu finalmente a carrinha.


A certa altura tivemos de trocar para uma carrinha maior, passámos pela capital, Mataram, que nos pareceu uma grande confusão de carros, motas e estradas esburacadas. Aeroporto e finalmente, já à hora de almoço, Kuta Lombok.


Depois de deixarmos as coisas no hotel e descobrirmos que a piscina estava estragada (o que nos daria um desconto, menos mal) fomos até à praia. Uma baía com vários quilómetros. Uma imensidão de areal e azul. Dois ou três turistas. Um espanto. Assim que entrámos na praia fomos logo abordados por um miúdo de 10 anos a vender-nos pulseiras e várias mulheres a vender sarongs (uns tecidos coloridos que usam especialmente para fazer de saias, mas só para turistas porque não vi nenhuma delas a usá-los). Já tínhamos lido no guia que havia muitas crianças a vender pulseiras na praia mas achámos que isso seria fácil de contornar. Não foi. Os miúdos eram engraçadíssimos, usavam argumentos que nos matavam e acabámos com pulseiras nos punhos, no tornozelo e mais umas para oferecer. Eu sei que não devíamos estimular estas vendas mas era muito difícil de resistir. E via-se que estas crianças não tinham fome, estavam limpos e eram bem tratados pelos pais. Iam todos à escola mas estavam nas férias do Ramadão. Era a forma de conseguirem comprar guloseimas e, nalguns casos, o dinheiro era guardado pelos pais para o seu futuro, pois não têm possibilidades de guardar nada para os filhos com o próprio ordenado. Acima de tudo é uma grande escola para eles, é onde treinam inglês e onde treinam a capacidade argumentativa que lhes será provavelmente muito útil no futuro que passará certamente pelo turismo. Quero muito acreditar que o futuro lhes sorrirá. O Luky, um miúdo de 8 anos, com um problema num dos olhos, era claramente um alvo fácil dos outros miúdos. Mas este miúdo é extremamente inteligente. Durante o tempo em que esteve sentado ao nosso lado (sim, eles sentavam-se a conversar até venderem ou aparecerem novos turistas), ensinou-nos truques mágicos, mostrou que sabia dizer algumas frases em alemão, espanhol e italiano, ensinou-nos a ver as horas pelo sol e no fim rematou com um: You already opened your heart to me, now open your wallet! E perante isto acabámos com mais 2 pulseiras. Outro menino, que não me lembro o nome, diz-nos que o sonho dele era ver neve e fazer uma bola. Já viu na internet e queria senti-la. Não desejo que neve, mas sim que o sol brilhe muito na vida deles.


As mulheres também faziam o mesmo, sentavam-se ao nosso lado e tentavam vender os sarongs. Se não conseguiam à primeira ficavam a conversar, queriam saber os nossos nomes, de onde vínhamos, como é a nossa vida no nosso país. Os Indonésios são muito curiosos. Segundo nos explicaram fazer perguntas faz parte da boa educação deles. No meio acrescentavam que os sarongs eram feitos à mão pelas mães delas, apesar de virem embalados e com etiquetas. Foi num destes momentos que conheci a Ana, de 30 e poucos anos, mãe de dois filhos que faz questão que não vendam na praia porque ela o faz desde criança e não quer que os filhos tenham de o fazer. Diz-nos que não há trabalho nos campos porque estávamos na época seca, nem no turismo porque toda a gente vai para Bali. Nunca foi à escola e, no entanto, consegue dizer-nos tudo isto em Inglês. Aprendeu na praia. O único caminho que conhece é entre a sua aldeia e a praia de Kuta. Nunca saiu dali. Mas um bocadinho dela veio comigo, colado ao meu coração. Senti-me mais uma vez sortuda. Por ter nascido na Europa, por ter ido à escola, por ter oportunidades de sair do meu lugar e conhecer pessoas como ela e o Luky.


Todas me dizem que tenho uma cor de pele muito bonita, branquinha, para parar de apanhar sol. Digo-lhes que em Portugal todas querem ter a cor de pele delas, elas riem-se da parvoíce! Não lhes faz qualquer sentido. Pela conversa percebo que usarem lenço na cabeça e mangas compridas tem mais a ver com esta questão da cor de pele que propriamente da religião. Pelo menos é o que elas me dizem.


Num dos dias alugámos mota e fomos conhecer duas praias mais afastadas. Tanjung Aan e Mawun. A primeira é conhecida pela praia das baías gémeas. São duas baías coladas, azul turquesa, areia branca, turistas - 3. Quase um paraíso. Para variar, apesar de haver imenso espaço por todo o lado, tivemos de pagar para estacionar a mota. Começámos por uma caminhada até ao cimo da rocha central de onde se tinha vista completa sobre os dois lados da baía. Nenhuma foto consegue demonstrar a imensidão daquelas praias. É algo que não se consegue descrever com palavras nem fotografias, só mesmo estando lá. Aqui não havia quase crianças nem mulheres a vender, só duas ou três menos insistentes e que até nos salvaram as nossas coisas de uma onda.


Depois de almoço fomos até Mawun, uma praia mais pequena e com um acesso bastante difícil. O caminho até lá é deslumbrante, vamos seguindo por uma estrada quase deserta, ao sabor do vento, rodeados de verde que sobe e desce com as montanhas e nos acompanha ao longo de todo o caminho. À entrada da estrada que dá acesso à praia há uma cancela com uns homens a cobrar entrada. A estrada é horrível. Tem restos de alcatrão completamente esburacados, umas partes de terra, outras de lama. Mas vale tanto a pena chegar àquela pequena baía. Chegámos já o sol estava sobre o mar, o que dava uma tonalidade prata à água.


Foi nesta praia que conhecemos um casal de Portugueses muito simpáticos e acabámos por fazer a viagem de volta a Kuta com eles. Nesse dia já tinham conhecido outros três Portugueses e convidaram-nos para jantar. Trocámos contactos e foi assim que se juntaram 7 portugueses numa mesa a jantar, numa cidadezinha na Indonésia, curiosamente no dia de Portugal. Foi uma noite muito bem passada. Um dos casais estava na Ásia desde Janeiro. Despediram-se dos empregos porque estavam infelizes e decidiram ir fazer uma viagem até ao final de Julho. Fiz tantas perguntas que acho que até me tornei chata mas aquilo fazia-me tanto sentido. E tinham histórias incríveis. Quis tanto fazer o mesmo. Ainda quero. Mas também sei que se o fizer não vou conseguir voltar a esta vida de rotinas e não consigo imaginar um futuro feliz depois disso. Por isso vou continuar na mesma rotina, a arranjar desculpas para a falta de coragem.


Com estes 3 meses de afastamento já consigo ver as coisas com outra perspectiva e consigo ver muito mais coisas boas na minha vida e que me fazem querer ficar. Aliás, ir e voltar. Porque ir continua a ser muito importante para mim, mesmo que seja só por 2 semanas, mas também vejo muitos motivos para voltar. Por isso, ir e voltar, ir e voltar. Muitas vezes!


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